Blog criado para as postagens das aulas de Fisiologia do Exercício da UFRGS!
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Controle Motor
CONTROLE MOTOR
O controle (assim como o movimento) pode ser voluntário ou involuntário; entre estes, há uma classificação intermediária: o controle (movimento) automático. As diferenças estão fundamentalmente na região superior de controle. O movimento voluntário baseia-se na produção e execução de um comando de forma consciente e controlável (modulável). Para tanto, o movimento precisa ser organizado inicialmente ao nível de córtex sensório-motor. O córtex motor, mais especificamente, organiza o comando do movimento e envia este comando para um nível/centro inferior, numa seqüência relativamente bem definida: córtex sensório-motor, tálamo, gânglios da base, [cerebelo], tronco cerebral, medula, músculo (proprioceptores). Então, o comando parte do córtex sensório-motor para o tálamo, daí para os gânglios da base, onde há uma divergência simultânea do sinal para o cerebelo e para o tronco cerebral. Via tronco cerebral e medula, o potencial de ação chega ao músculo via motoneurônio, iniciando a contração. Deste modo, o evento da contração muscular antecede o movimento, ou seja, antes do movimento propriamente dito começar, já há ativação muscular (encurtamento dos sarcômeros). De fato, há necessidade de geração de tensão suficiente para movimentar carga ou vencer resistência. Tal quadro fica mais evidente na manipulação de cargas significativas, mas ocorre também para membros livres. Mesmo que não haja movimento, ocorre ativação de órgãos proprioceptivos que não são diretamente associados aos tecidos musculares. Neste caso específico, não há ativação do fuso muscular, já que este é um sensor de alongamento muscular. O Órgão Tendinoso de Golgi, por sua vez, também não é ativado num primeiro momento, devido ao seu elevado limiar de excitabilidade. O estímulo que ativa o OTG é a tensão e não a contração, que deve estar em um nível relativamente alto para sensibilizar este proprioceptor. Nos instantes iniciais da contração, são os mecanorreceptores articulares de pressão e os cutâneos, entre outros, que mantém o SNC informado a respeito do estado de contração muscular. O OTG é ativado posteriormente. A informação a respeito do resultado da contração inicial ascende ao cerebelo, onde há a comparação entre o movimento realizado e o idealizado, que nunca são iguais. Esta diferença se deve às variáveis ambientais, como a força peso, resistência da vestimenta, forças de atrito ou arrasto, entre outras. Estas variáveis afetam o desempenho do gesto motor. O resultado é a discrepância, em níveis variados, entre o movimento que foi programado pelo córtex sensório-motor e o movimento que foi efetuado pelo tecido muscular. O cerebelo, então, informa o resultado desta comparação, enviando as devidas correções de volta para o córtex sensório-motor, de onde partem inúmeras microcorreções à medida em que o movimento transcorre. No caso de uma lesão cerebelar, por exemplo, as correções devem ser feitas de forma consciente, ficando os erros muitíssimo mais evidentes. Tais erros incluem força excessiva, força insuficiente, mudanças indesejadas de direção, entre outros problemas que não se pode prever. Sem atividade cerebelar adequada, não há controle fino do movimento (este controle, na verdade, é executado de forma involuntária ou inconsciente). Quanto mais estranho, incomum, diferente ou novo for o movimento, maior a participação do cerebelo corrigindo a trajetória, desde o início da contração até o alcance do alvo/objetivo. Alguns gestos já estão aprendidos e são amplamente treinados, executados e repetidos, como caminhar, escrever, falar,… A fim de efetuar tais ações, não há mais a necessidade de pensamento preciso e estudado eles já são realizados de forma automática. Para movimentos novos e para gestos que não são habitualmente repetidos, a organização motora é totalmente voluntária, necessariamente. Os princípios abordados até aqui são os fundamentos fisiológicos da aprendizagem motora. Durante os primeiros anos do processo de desenvolvimento motor e neural, a seqüência lógica e precisa de ativação neuronal visando a execução de movimentos voluntários não necessariamente ocorre de forma correta ou seguindo o caminho mais curto. O produto final desta transmissão confusa de sinal é a ativação inadequada da musculatura solicitada para o movimento, a contração simultânea de uma série de músculos não envolvidos no objetivo, entre outras deficiências. O processo de repetição que possibilita a aprendizagem é uma forma de exercício da via neuronal, perdurando até que o caminho correto, desde o córtex até o músculo, seja reconhecido e posteriormente gravado. Ao longo do tempo, à medida em que o treinamento motor transcorre, forma-se um padrão de movimento.
Num dado momento do desenvolvimento, cujo determinação precisa é bastante difícil, o exercício funcional continuado faz com que a via seja simplificada, e o centro de comando de controle motor migra do córtex sensório-motor para o tronco cerebral. O córtex sensório-motor continua sendo fundamental para dar início ao movimento que, afinal de contas, é voluntário; assim que ele é iniciado, no entanto, a regência do movimento passa para a responsabilidade do tronco cerebral, de forma que marcha-se, dirige-se, mastiga-se, escreve-se, fala-se, entre outras ações, sem a necessidade consciente de manutenção do gesto. Em outras palavras, o movimento passa a ser automatizado, que é um estágio intermediário entre os movimentos voluntários e involuntários. Da mesma forma que o gesto motor é estruturado e automatizado, as características individuais, bem como erros eventuais, também o são, e o padrão motor memorizado é definido ao nível neuro-muscular a ponto de ser extremamente difícil a sua alteração ou correção. Este padrão motor definido, ou seja, toda a seqüência de ativação neuro-muscular tantas vezes repetida a ponto de se tornar próxima ao definitivo, é chamada engrama. Muito embora seja bastante difícil modificar padrões motores estabelecidos, ainda há a possibilidade de correções em graus variados. Por isto, atividades como a marcha, a escrita e a fala, entre outras, são de fato peculiares a cada indivíduo. Situações patológicas como o acidente vascular cerebral podem fazer com que o indivíduo perca o padrão motor adquirido, em função da lesão de determinada região do córtex motor. Nesta situação, os tecidos periféricos à área atingida (área circunjacente) podem assumir o controle dos movimentos anteriormente organizados pela área agora necrosada, possibilitando ao indivíduo afetado o reaprendizado dos gestos inicialmente estruturados. A capacidade de transferência de funções, onde uma região encefálica eventualmente modifica-se e adapta-se de modo a substituir total ou parcialmente um tecido incapacitado é chamada plasticidade neuronal. Diante deste quadro, onde o indivíduo reaprende a execução de gestos motores, há a substituição do padrão anteriormente armazenado. Em condições fisiológicas, caso pretenda-se modificar um engrama, o tempo gasto nesta alteração tende a ser infinitamente maior do que o tempo empregado na aprendizagem, quando o engrama foi assumido. Assim, do ponto-de-vista prático da educação física, ao longo do processo ensino-aprendizagem de crianças e adultos, bem como em casos de reabilitações neurais, musculares, tendíneas, articulares, ósseas ou ligamentares, o período investido em fundamentação técnica é imprescindível para a estruturação do padrão correto. Caso as correções sejam adiadas por muito tempo, o engrama pode vir a formar-se, englobando o erro não corrigido a tempo. O trabalho de correção posterior, por sua vez, é muito mais difícil e penoso do que a correção imediata, em tempo hábil. Erros técnicos não podem ser menosprezados ao longo do processo de aprendizagem. O profissional deve ter consciência de que a etapa mais importante, embora o treinamento de atletas de elite adultos seja mais valorizado segundo a lógica de mercado, é a fundamentação técnica das categorias básicas, durante a infância. O treinamento das valências físicas, que também é fundamental para o desempenho, pode ser realizado muito rapidamente, ao contrário do trabalho de base. Perdas temporárias de capacidade de movimento podem ocorrer por compressão do feixe vásculo-nervoso, gerando isquemia ou anestesia, ou ainda por infecção viral ligada ao estresse, em função de queda na eficiência do sistema imunológico (a ação viral bloqueia a ativação da raiz motora, impedindo o movimento). A musculatura comumente afetada é a facial. Ainda no que se refere ao movimento automático, existem alguns gestos usualmente relacionados a treinamento persistente e a padrão motor maduro que não estão necessariamente relacionados à dinâmica seqüencial básica de execução motora, ou seja, ao engrama original. Tais movimentos são decorrentes do refinamento no aprendizado e relacionam-se à estruturação neuro-muscular de padrões motores. Nesta dinâmica da formação de engrama, indivíduos com maior experiência motora (vocabulário ou repertório motor), apresentam uma capacidade de improvisação infinitamente superior a indivíduos restritos às ações cotidianas. Existem inúmeras situações que requerem engramas acessórios; tais ações não são aprendidas através de exercícios pura e simplesmente técnicos, necessitando de estímulos de outra natureza, normalmente associados à bagagem de movimentos que o indivíduo traz desde o início da sua formação.
Iniciando-se a análise do amplo repertório motor involuntário do organismo humano, são interessantes basicamente 3 reflexos medulares (reflexos organizados e efetuados sem a participação de centros superiores): reflexo de retirada, reflexo miotático e reflexo miotático inverso.
O estímulo para o reflexo de retirada é nocioceptivo (agressão), que desencadeia potenciais de ação nas terminações livres (terminais nervosos de fibras do tipo C, amielínicas). O impulso segue em direção à medula, penetrando no H medular através da região dorsal; dentro da medula espinhal, ocorre uma sinapse com interneurônio excitatório, que estimula o motoneurônio do músculo flexor (causando contração do segmento agredido), e uma sinapse com interneurônio inibitório, que conecta-se ao motoneurônio do músculo extensor (impedindo a contração ou causando relaxamento). Simultaneamente, o potencial de ação cruza a linha média medular através de uma fibra que parte da raiz sensorial e realiza o processo inverso do outro lado, gerando contração dos extensores e relaxamento dos flexores. Este padrão extensor contralateral é um resquício filogenético (sinal do processo evolutivo) da época em que o homem era quadrúpede, quando a extensão do membro contralateral era necessária para a manutenção da postura. A descrição dos trajetos e conexões neuronais é chamada circuitária nervosa. A circuitária nervosa envolve a ascensão do impulso através da raiz aferente, a conexão intramedular com os interneurônios e a emissão do sinal eferente para o músculo executor do gesto reflexo. A seqüência de eventos que compõe um reflexo de retirada é, em primeiro lugar, a remoção do segmento das proximidades do estímulo agressor, seguida da tomada de consciência da ação efetuada e da sensação dolorosa; esta ordem é devida à velocidade de condução das fibras nervosas (100 m/s para motoneurônio a) e à curta distância percorrida pelo sinal até gerar a contração muscular. Se a sensação dolorosa precisasse ascender ao córtex para ser interpretada e retransmitida sob a forma de uma resposta motora, o tempo de reação seria demasiadamente prolongado, e a intensidade da resposta estaria sujeita a variações emocionais, já que a dor é uma sensação subjetiva. Caso houvesse a necessidade da sensação dolorosa para o desencadeamento do reflexo, a lesão nos tecidos afetados poderia ser bastante séria, já que as fibras do tipo C são de condução lenta, e o estímulo demoraria muito tempo para ser
interpretado.
O reflexo miotático baseia-se nas informações fornecidas pelo órgão sensorial denominado fuso muscular. O fuso é formado por células musculares bastante diferenciadas, que não possuem sarcômeros na região central (apenas as extremidades são contráteis); junto ao equador celular, encontram-se os múltiplos núcleos (centenas) da fibra muscular esquelética; ao redor da região central, encontra-se uma fibra nervosa aferente do tipo IA espiralada, que responde à deformação mecânica; as extremidades do fuso muscular são inervadas pelo motoneurônio gama, enquanto as fibras musculares extrafusais ou regulares são inervadas pelo motoneurônio alfa. A fibra fusomotora serve para modular o comprimento da fibra intrafusal, mantendo-a como um sensor ativo em qualquer estado de comprimento muscular. Quando há encurtamento muscular mesmo na ausência de contração ativa, ou seja, devido ao encurtamento passivo por aproximação de origem e inserção musculares, há ativação motora gama por via reflexa, a fim de evitar a deformação das fibras intrafusais, que estão em paralelo às fibras extrafusais, mantendo sua função sensorial. A contração das extremidades do fuso levam à distensão do centro fusal, ao redor do qual está a terminação nervosa sensitiva. Caso o sistema gama não apresentasse atividade, o encurtamento muscular levaria à perda da sensibilidade de comprimento do músculo. Uma eventual lesão neural paralisia cerebral, por exemplo que provoque um desequilíbrio sensório-motor e uma hiperatividade gama causa um estado de hipertonicidade muscular (o fuso está tão distendido que qualquer alteração mínima de comprimento desencadeia uma contração muscular reflexa em resposta). O tétano em estado avançado é um exemplo de contração extrema da musculatura corporal, decorrente da lesão neural gerada pela infecção tetânica, que causa hiperatividade gama e a conseqüente hipertonia muscular. Este paciente está fadado a morrer de parada respiratória. A toxina butolítica é uma substância de efeito paralisante sobre o tecido muscular. Ela pode eventualmente ser administrada no caso de hipertonia no intuito de aliviar o sintoma, mas não para tratar a causa. Tal substância é empregada na técnica de “remoção” de rugas chamada “butox” novamente como um paliativo, sem tratar a causa, pois a paralisia muscular gera um efeito aparente de lisura cutânea. A administração desta substância para fins de tratamento não induz nenhuma adaptação neuro-muscular ao longo do tempo. O botulismo, doença adquirida através de enlatados contaminados, causa a morte do indivíduo infectado em questão de minutos, em função de parada respiratória decorrente da paralisia muscular generalizada por ação da toxina butolítica. O reflexo miotático, então, decorre da estimulação do aferente IA devido ao estiramento muscular, seguida do envio do sinal adequado para a medula, onde, através de uma única sinapse, o neurônio motor a do agonista é estimulado, gerando contração muscular reflexa, e o neurônio motor a do antagonista é inibido, mantendo-o relaxado. O reflexo miotático é o único reflexo monossináptico humano, ou seja, a conexão entre as raízes sensitiva e motora se faz diretamente no interior do H medular, sem mediação por interneurônios. O reflexo miotático é exigido em situações de recepção (amortecimento) de projéteis, por exemplo, quando a força de impacto causada pelo contato do objeto gera o estiramento muscular, que ativa a circuitária nervosa, causando a contração do tecido muscular estirado. As perturbações mecânicas sobre tendões geram estiramentos musculares de pequena amplitude, que são percebidos pelas fibras intrafusais, gerando respostas reflexas. Apesar da localização do OTG ser tendínea, o seu limiar de excitabilidade é muito mais alto, e sua ativação deve ser realizada por mais tempo (fala-se até em 6 segundos) a fim de que um potencial de ação seja desencadeado. Pessoas hipertônicas apresentam um estado de constante contração muscular acompanhada por encurtamento das fibras intrafusais (hiperatividade gama). Deste modo, qualquer microestiramento gera uma resposta reflexa de alta intensidade; tais indivíduos são, então, classificados como hiperreflexos. O indivíduo hipotônico, por sua vez, apresenta maior flexibilidade em função da significativa elasticidade muscular. Usualmente, a hipertonia requer mais atenção e cuidados médicos em comparação à hipotonia. Caso um indivíduo em ortostase posicione seu centro de gravidade em um ponto mais avançado, através da inclinação anterior do tronco, mantendo toda a planta do pé em contato com o solo, o estiramento dos flexores plantares ativa o reflexo miotático, impedindo a queda do corpo. Este reflexo também é fundamental para a manutenção da postura e resistência à ação da força gravitacional.
Assinar:
Postagens (Atom)